quinta-feira, 24 de março de 2011

RELIGIÃO NA TV E A IMPORTÂNCIA DA PLURALIDADE

DA CARTA MAIOR

DEBATE ABERTO

Pluralidade religiosa: EBC sai na frente

Enquanto o marco regulatório das comunicações não vem, a decisão da EBC de formular uma “política de produção e distribuição de conteúdos de cunho religioso”, certamente passará a significar um momento de inflexão não só na TV Pública, mas na televisão brasileira em geral.

Em artigo publicado em agosto de 2010, celebrei decisão do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) que abrira consulta pública para recolher contribuições de entidades e pessoas físicas sobre a política de produção e distribuição de conteúdos de cunho religioso através de seus veículos.

Ainda hoje a TV Brasil exibe o programa “Reencontro”, produzido por igreja de orientação evangélica, aos sábados; e os programas “A Santa Missa” e “Palavras de Vida”, de orientação católica, aos domingos. Já a Rádio Nacional de Brasília transmite aos domingos celebração de missa de orientação católica. Esses programas são originários das emissoras que foram absorvidas pela EBC após a sua criação e a regulamentação do Sistema Público de Comunicação pela Lei nº. 11.652/2008. 

Uma reclamação de telespectadores enviada à Ouvidoria da EBC, provocou, à época, um parecer da Câmara de Educação, Cultura, Ciência e Meio Ambiente do Conselho Curador que afirmava:

“Parece-nos impróprio que os veículos públicos de difusão concedam espaços para o proselitismo de religiões particulares, como acontece atualmente com os programas que vão ao ar na TV Brasil aos sábados e domingos, dedicados à difusão de rituais ou de proselitismo que favorecem a religião católica e a segmentos de outras religiões cristãs. Tendo-se em vista o caráter plural do “mapa religioso” brasileiro (...) trata-se de um injustificado tratamento a religiões particulares, por mais importantes que sejam, por maior respeito que mereçam. Em tese, tais tratamentos, atualmente vigentes, só seriam corrigíveis, e atenuadas, se todos os cultos e religiões recebessem espaços equivalentes o que seria, obviamente, inviável.”

Diante desse Parecer, a Câmara de Educação, Cultura, Ciência e Meio Ambiente sugeriu a substituição dos atuais programas por outros sobre o fenômeno da religiosidade no Brasil, “de um ponto de vista plural, assegurada a participação a todas as confissões religiosas”.

EBC sai na frente
Depois de oito meses de discussões e após a realização da Consulta Pública nº. 02/2010, entre 04 de agosto e 19 de outubro de 2010, o Conselho Curador da EBC aprovou, em sua reunião do dia 22 de março, resolução das Câmaras de Educação e Cidadania e Direitos Humanos que determina a suspensão dos programas religiosos da grade de programação da empresa.

O tempo dos programas é de cerca de 2h45 minutos na grade de programação da TV Brasil sem incluir as missas retransmitidas pelas emissoras de rádio da EBC. Os responsáveis terão ainda seis meses para retirar a programação do ar. 

O próximo passo será dado pela diretoria executiva da EBC que apresentará ao Conselho Curador uma proposta de formato de faixa religiosa com produções que irão valorizar a diversidade e a pluralidade das manifestações religiosas em nosso país.

Estado laico
A decisão pioneira e exemplar da EBC toca em questões que obrigatoriamente deverão ser enfrentados pelo esperado marco regulatório das comunicações. Em artigo publicado no Brasil de Fato n. 416, João Brant, coordenador do Intervozes, lembra algumas dessas questões:

1. manifestações religiosas devem ou não ser permitidas em veículos de comunicação que são concessões públicas, como rádio e TV? 

2. se sim, deve ser permitido também o proselitismo religioso, ou seja, a prática de tentar "vender seu peixe" e conquistar fiéis?

3. como esse tipo de manifestação ajuda ou afeta a liberdade de crença – que é maior do que a liberdade religiosa e inclui até o direito de não se ter religião?

4. como garantir às distintas manifestações de fé o mesmo direito, já que não chegam a 2% as denominações religiosas presentes no Brasil que têm espaço em meios de comunicação?

5. deve-se impedir que esses espaços sejam usados para ataques a outras religiões, como os que sofrem as denominações de matriz africana?

6. deve-se permitir canais inteiramente controlados por grupos religiosos, o que é proibido na maioria das democracias? 

7. Deve-se permitir o arrendamento de espaço – ou mesmo de canais inteiros – no rádio e na TV ou essa prática configura uma verdadeira grilagem eletrônica, pela apropriação privada de um espaço público? 

Exemplo a ser seguido
Enquanto o marco regulatório das comunicações não vem, a decisão da EBC de formular uma “política de produção e distribuição de conteúdos de cunho religioso”, certamente passará a significar um momento de inflexão não só na TV Pública, mas na televisão brasileira em geral.

Somos um Estado laico e a EBC, sendo uma empresa pública de comunicação, deve se transformar não só em referência de qualidade, mas também de cumprimento dos preceitos constitucionais para os outros sistemas de “radiodifusão sonora e de sons e imagens” previstos na Constituição.

Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.

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