quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A morte é capaz de devorar tudo, inclusive a vida. Mas não devora os rastos que o amor deixa gravados sobre o pergaminho da história.

DO ADITAL
Sofrimento e Amor

Pe. Alfredo J. Gonçalves
Assessor das Pastorais Sociais
Adital


O sofrimento humano já rendeu, ao longo da história, inúmeros estudos, comentários, livros, bibliotecas inteiras. Apesar disso, a dor física em particular e o sofrimento da humanidade em termos mais amplos permanecem como uma enorme interrogação sobre a existência das pessoas, povos e culturas. O assunto é inesgotável e, por mais que se investigue e reflita, o ser humano não dá conta de elucidar essa incógnita que afeta milhões de pessoas que vivenciam situações-limite de tristeza, angústia e desespero. O mistério do sofrimento, especialmente quando este recai sobre a vida dos inocentes, não pode ser desvendado em termos racionais. Conhecem-se muitas de suas causas e efeitos, mas não o segredo de seu sentido, se é que tem algum. Diante de determinadas lágrimas, em geral amargas e silenciosas, prevalecem a perplexidade, o absurdo e a impotência.
Como encarar a dor e o sofrimento? Na maioria dos casos, ambos geram uma atenção centrípeta. Aquele que sofre, quem quer que seja, pelos motivos mais diversos e por estar num momento debilitado, tende a concentrar sobre si a preocupação dos demais, tanto os familiares e amigos quanto grupos e instituições de assistência. A dor, a fome e a solidão se apresentam normalmente como três irmãs siamesas: não podem esperar! A questão da saúde é questão humanitária, e por isso mesmo prioritária em todos os sentidos, lugares e setores da sociedade. Daí os imperativos da cruz vermelha, as sirenes das ambulâncias, as emergências do pronto socorro.
A tendência de concentrar sobre si as atenções chega ao ponto de desenvolver certa chantagem (quase sempre involuntária e inconsciente) na atitude de todo sofredor em relação aos outros. Ganha grande destaque aqui um processo de vitimização, em graus diferenciados de consciência e de percepção. Pacientes e crianças, com relativa frequência, jogam com manobras chantagistas, de forma explícita ou implícita. A fragilidade humana tem suas defesas "naturais”, revestindo-se de certos mecanismos psicológicos para proteger-se. A dor e o sofrimento, assim como o amor, fazem do ser humano uma flor sem defesa e exposta a ventos e tormentas bravias.
Os parágrafos anteriores servem para introduzir o tema da paixão e morte de Jesus. Neste caso, assistimos à inversão da tendência centrípeta por outra claramente centrífuga. Nos diversos cenários da última ceia, da oração no Horto das Oliveiras, da longa e penosa via crucise do alto do madeiro – todos extremamente angustiantes e dolorosos – a atenção de Jesus volta-se não para si mesmo, mas para os outros, incluindo os que o perseguem, torturam e executam. De fato, Ele passa pela humilhação de um julgamento sumário, pela flagelação e crucifixão atrozes, pelo abandono por parte de todos, pela agonia interminável na cruz e pelo fracasso aparente da missão. Não obstante tantas e tão cruéis adversidades, de forma inédita e surpreendente, Jesus concentra o olhar sobre as mulheres que à sua vez choram por ele, sobre os soldados que o crucificam e sobre a cidade que decidiu bani-lo como o pior dos malfeitores. "Maldito todo aquele que é suspenso do madeiro”, diz a Carta de São Paulo aos Gálatas, citando o Livro do Levítico (Gl 3,13; Dt 21,23). Numa palavra, em meio a dores e sofrimentos insuportáveis, Ele se concentra na vontade do Pai sobre o plano de salvação para a humanidade.
Semelhante comportamento, além de revelar o amor infinito e insondável de Deus, revela, ao mesmo tempo, o ser humano em sua mais profunda liberdade. O Deus-humano e o homem-divino se entrelaçam para mostrar toda a dignidade da pessoa, homem e mulher. Esta foi criada não para rastejar como os vermes, mas para voar como as borboletas. Em geral, mesmo em situações de bem-estar, vivemos rastejando atrás de algo para por no estômago ou algo para cobrir a pele, ou então atrás de dinheiro, prestígio, títulos, poder, riqueza e sucesso, quando não simplesmente em busca de consumo e aparência. Em lugar dos ideais da justiça, da solidariedade e da liberdade, instala-se o egoísmo ou egocentrismo. A natureza humana parece oscilar num vaivém intermitente e contraditório: ou cai inteiramente no culto do próprio "eu” ou sobe na mais alta dedicação ao "outro”, com uma infinidade de pontos intermediários entre os dois extremos.
Evidente que essa condição de centralidade em si mesmo se aguça de forma acentuada, e até compreensível, no caso de dor e sofrimento. Diante da vulnerabilidade de uma situação-limite, o indivíduo é levado a fechar-se sobre si mesmo, contemplando o seu umbigo. Torna-se um verdadeiro átomo onde as partículas – interesses, paixões, necessidades e metas – giram em torno do próprio núcleo. Dessa forma, cunham-se expressões como "sociedade atomizada” ou "multidão solitária”. Mais do que isso, a pessoa é levada a pedir socorro, atraindo a atenção de quem estiver por perto. O seu mundo de visão reduz-se à busca de alívio, procurando todos os meios possíveis para fugir àquilo que o faz sofrer.
Devido a esse peso que nos puxa para baixo, deixar de rastejar para alçar voo não é um ato mágico e nem se dá da noite para o dia. Não se trata de um evento localizado no percurso de uma existência, mas do cultivo diário e permanente de uma superação que só termina com a morte. Exige, por isso mesmo, um longo e laborioso processo de sacrifício, aniquilação e despojamento de si mesmo – kenosis – que, no caso de Jesus, se expressa na Carta de São Paulo aos Filipenses (Fl 2,6-11). Exige um martírio gota a gota, um "morrer aos poucos” para os próprios desejos e anseios, para entrar num plano mais elevado, quer em termos sócio-culturais quer em termos religiosos e espirituais. Os místicos, os sábios e as religiões falam de retiro, ascese, contemplação.
O fato é que superar o egoísmo em favor de uma atitude altruísta é um projeto para toda a trajetória de uma vida. Não se esgota no curso de uma existência. Muitos conseguem dar um pequeno passo nessa direção, alguns logram um passo a mais; raros são os que orientam o rumo de seus passos por essa bússola. As exigências aqui são gigantescas, se levarmos em conta a tendência da natureza humana de rastejar sobre a face da terra, agarrando-se a tudo aquilo que lhe causa prazer, poder, influência, domínio, etc. Prevalecem, antes, as leis da gravidade e da inércia que, respectivamente, nos atrai ao solo e aí no mantêm prisioneiros dos próprios interesses. A referida inversão de Jesus Cristo, ao contrário, interrompe o círculo vicioso da vingança, a dinâmica "natural” que costuma ocorrer com a espiral da violência, tema caro à obra do antropólogo francês René Girard (especialmente em Des choses cachées depuis la fondation du monde, Éditions Grasset & Fasquelle, Paris, 1978).
Para o cristianismo, a cruz é o ponto máximo da elevação do verme humano à borboleta divina. O objeto maldito de tortura transforma-se em símbolo universal de amor e de espiritualidade. No madeiro, a agressão brutal e gratuita sobre um inocente confronta-se com o perdão por parte deste último, ou seja, a violência mais refinada choca-se com o gesto mais grandioso da história. A essa violência humana extremada, o homem-divino responde com a misericórdia. Em poucas palavras, a vingança de Deus é o perdão! O confronto e o choque entre o ódio, de um lado, e o amor, do outro, é tão surpreendente que provoca uma faísca inusitada. Algo inédito se ergue das trevas, uma luz se acende em meio à escuridão. Do madeiro maldito brota uma flor, a mais bela e inesperada.
Isso explica a definição da Primeira Carta de João: "Deus é amor” (1Jo 4,8). É tão forte e transparente a superação da tendência centrípeta pela tendência centrífuga, a condição de verme rastejador pela de borboleta voadora, que a faísca se faz fogo abrasador e se alastra pelos quatro cantos da terra. Na verdade, a ressurreição já está misteriosamente contida nesse gesto de perdão, de amor incomensurável. A morte é capaz de devorar tudo, inclusive a vida. Mas não devora os rastos que o amor deixa gravados sobre o pergaminho da história. Nenhum gesto de solidariedade se perde no tempo. De certa forma, a ressurreição se dá antes da própria morte. Esta não pode vencer o amor expressado no alto da cruz, no auge da agonia. Ao contrário, o amor vende a morte! Podemos terminar com as palavras que o evangelista coloca na boca de Jesus: "quando eu for levantado entre o céu e a terra, atrairei todos a mim!” (Jo 12,32).

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Oportunidade de virar o jogo e mudar o país

Do blog da Maria Frô

Laíssa, ex-catadora, entrou na USP!



As voltas da vida: a ex-catadora e a usp
Por: Joelma do Couto
A exclusão neste mundo é tamanha que quando digito ex-catadora o world muda para “excitadora” e me dá outras opções, ex-saltadora, exaltadora, parece engraçado não fosse trágico. Noutro dia num evento promovido pelo vereador Ítalo Cardoso sobre o plano municipal de resíduos sólidos na Câmara Municipal de São Paulo, a representante da LIMPURB, órgão responsável pela coleta seletiva na cidade disse a seguinte frase: “é bom que os catadores participem dos eventos da cidade, assim eles ficam conhecidos, (como se não fossem) tem gente que acha que o lixo que coloca na porta de casa, desaparece por abdução, eles não sabem que são os catadores que levam o reciclável embora.” O Eduardo, do Movimento Nacional dos Catadores presente na mesma mesa, quase infartou. Imaginem a reação do restante da plateia formada na sua maioria por catadores de todo cidade? Se a cidade não conhece os catadores, mesmo depois de mais de 60 anos da existência destes profissionais, porque o world teria a obrigação de conhecer? O que ela não explicou, por exemplo, é que durante a Formula 1 a prefeitura gasta milhões na pista, mas, até onde fiquei sabendo, os catadores não ganharam nem uma marmitex com arroz, feijão e ovo. Bem se eles são ETs, talvez tenham um outro tipo de alimentação diferente da nossa… ou gostem do lanchinho.
Voltando a catadora, agora ex-catadora, se o world me permite; vou mais uma vez falar da Laíssa, nossa Lalá. Pra quem não leu http://mariafro.com.br/wordpress/2010/12/10/historias-de-superacao-catadora-na-universidade-que-venham-muitas-laissas/
Laíssa é uma menina de 19 anos que nasceu pobre, favelada, negra, com uma irmã deficiente e que, por ainda não estar satisfeita com todos os estereótipos e preconceitos que poderia esta família viver, a mãe, Mara, adotou mais 14 crianças, têm uma obesa também, aqui não falta problema!! Mas, sobra amor e dedicação.
A família de Mara não é formada por letrados, muito pelo contrário, Laíssa foi à primeira da família a entrar na universidade. Em dezembro de 2010 ela se matriculou em uma universidade particular. Tinha muito medo, não foi fácil encarar, mas encarou e já de cara ouviu professor dizendo que usava catador pra ganhar dinheiro. Bem, pelo menos este conhece os catadores.
Nas voltas da vida Lalá conheceu Nara, uma estudante da UNESP de Ourinhos. Nara e Lalá logo se tornaram grandes amigas. Mara a mãe de Lalá e presidente da Cooperativa de Catadores da Granja Julieta até tinha uma pontinha, pra não dizer pontona de ciúmes quando Lalá dizia que a cooperativa de catadores de Ourinhos era o máximo, linda e que a Nara e seus amigos da incubadora da UNESP faziam um trabalho maravilhoso. Achava que a filha exagerava até que ela própria viu o trabalho daqueles estudantes com seus próprios olhos e a partir daquele momento passou a admirá-los. Mas, a participação de Nara vai além nesta história. Ela começou a estimular a Laíssa a lutar por uma vaga na universidade pública.
Passado o susto de ouvir o que ouviu do professor, nas idas e vindas de Ourinhos, Laíssa viu-se inscrevendo para concorrer a uma vaga na incubadora da USP. Entre cerca de 140,150 inscritos somente ela e mais dois estudantes foram contratados pela incubadora. A menina desbancou estudantes de grandes universidades, até mesmo da USP.
Alegria imensa, tudo de bom, mas, pra pagar a universidade Lalá trabalhava na cooperativa e ganhava cerca de 900,00 reais por mês, agora na USP ganharia bem menos e não teria como bancar as despesas, alimentação, mensalidade, passagem….Irônico né, com status, sem dinheiro.
Foi então que ela me procurou bem envergonhada e disse:”Jô, o que você acha de eu tentar me transferir pra USP? Hoje é o último dia para inscrição.”
“O que você está esperandoooo?”
Não tenho 100,00 pra pagar a inscrição…….
Resolvido o problema da inscrição, recebi um email com a lista de livros que repassei para alguns amigos queridos da Agenda 21,uma certa blogueira suja que publicou não bastasse a lista de livros que a menina tinha ler quanto os que não precisava.
http://mariafro.com.br/wordpress/2011/07/15/mocada-da-area-de-biologicas-gestao-publica-deem-uma-forca-para-a-lassa/
Feito, um mutirão pro Lalá. Livros foram enviados, muita gente suja colaborou. Laissa não sabia de nada estava trabalhando na construção de casas com o ONG Um Teto para Meu País. Quando chegou ficou emocionada com os muitos emails. Carlos Henrique, professor universitário, e consultor do Ministério do Meio Ambiente foi pessoalmente a cooperativa levar alguns livros, que foram fundamentais para Laíssa.
Não preciso contar que ela passou em 4º lugar, agora é uma Uspiana, a partir de 2012 é na USP Leste que Laíssa estudará, continuará seu curso de gestão ambiental.
A Agenda 21 de Santo Amaro homenageou Laíssa no lV Encontro das Agendas 21 da Macro Sul de São Paulo, quer que esta homenagem seja um estimulo aos jovens como ela e também uma justa homenagem ao seu esforço e de sua mãe.
Laíssa estudava o tempo todo, começava as 4h da madrugada, de domingo a domingo tentando buscar um tempo perdido nas salas de aula de um sistema público de ensino que não visa colocar jovens como a Laíssa na universidade pública.
Não sei se feliz ou infelizmente Laíssa chega a USP num clima de guerra, repressão, truculência, mas sei que ela sempre viveu a truculência da polícia, a guerra pela sobrevivência e a repressão do Estado. Quem vive na favela sabe bem o que é uma invasão, mas, também sabe lutar e a menina Laíssa o sabe.
Laíssa como ela mesmo diz “tem a cor de seus bisavós que nasceram negros”, tem a cor da luta pela liberdade e se preciso for, lutar por uma universidade livre ela lutará. Lutar para que outros jovens como ela tenham as mesmas oportunidades que jovens de classe média tem, ela lutará.
Em sua breve vida como membro da incubadora de resíduos ela já tem fortes laços de amizade e companheirismo, está aprendo e levando o que aprendeu para a cooperativa e para a periferia. Está ensinando na incubadora o que a vida lhe ensinou a duras penas, e assim sendo, fazendo revolução.
Se a USP é para quem tem dinheiro para ir pra Disney e estudar em colégio particular caro, um prêmio, para as Laíssas da vida é oportunidade de virar o jogo e mudar o país.
Só avisando, na casa dela tem 12 Laíssas e mesmo assim a cooperativa de catadores da Granja Julieta será transferida para a Capela do Socorro. A prefeitura de São Paulo não acha que gente como ela, a mãe e os irmãos sejam dignos de trabalhar no bairro da Granja Julieta.
Parabéns Laíssa, nós nos orgulhamos muito de você.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Força, Lula! Nosso Eterno Presidente.

Do Vi o mundo

Dona Marisa corta barba e cabelo de Lula

Os médicos já haviam recomendado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva raspar a barba e o cabelo devido aos efeitos colaterais causados  pela quimioterapia. Hoje, antecipando-se à queda, Lula resolveu seguir a orientação. A dona Maria Letícia é a responsável pelo novo visual.
Dona Marisa corta a barba e o cabelo de Lula. Fotos de Roberto de Roberto Stuckert, Instituto Cidadania
PS do Viomundo: Lula ficou com a cara de Frei Chico. O Frei, que nada tem a ver com padre,  é José Ferreira da Silva, irmão mais velho de Lula e que também foi metalúrgico. Conceição Lemes
Leia também:

A verdadeira comensalidade sonhada por Jesus

Do Adital.org
Elogio do boteco

Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor
Adital


Em razão do meu "ciganismo intelectual” falando em muitos lugares e ambientes sobre um sem número de temas que vão da espiritualidade, à responsabilidade socioambiental e até sobre a possibilidade do fim de nossa espécie, os organizadores, por deferência, costumam me convidar para um bom restaurante da cidade. Lógico, guardo a boa tradição franciscana e celebro os pratos com comentários laudatórios. Mas me sobra sempre pequeno amargor na boca, impedindo que o comer seja uma celebração. Lembro que a maioria das pessoas amigas não pode desfrutar destas comidas e especialmente os milhões e milhões de famintos do mundo. Parece-me que lhes estou roubando a comida da boca. Como celebrar a generosidade dos amigos e da Mãe Terra, se, nas palavras de Gandhi, "a fome é um insulto e a forma de violência mais assassina que existe?”.
É neste contexto que me vem à mente como consolo os botecos. Gosto de frequentá-los, pois aí posso comer sem má consciência. Eles se encontram em todo mundo, também nas comunidades pobres nas quais, por anos, trabalhei. Ai se vive uma real democracia: o boteco ou o pé sujo (o boteco de pessoas com menos poder aquisitivo) acolhe todo mundo. Pode-se encontrar lá tomando seu chope um professor universitário ao lado de um peão da construção civil, um ator de teatro na mesa com um malandro, até com um bêbado tomando seu traguinho. É só chegar, ir sentando e logo gritar: "me traga um chope estupidamente gelado”.
O boteco é mais que seu visual, com azulejos de cores fortes, com o santo protetor na parede, geralmente um Santo Antônio com o Menino Jesus, o símbolo do time de estimação e as propagandas coloridas de bebidas. O boteco é um estado de espírito, o lugar do encontro com os amigos e os vizinhos, da conversa fiada, da discussão sobre o último jogo de futebol, dos comentários da novela preferida, da crítica aos políticos e dos palavrões bem merecidos contra os corruptos. Todos logo se enturmam num espírito comunitário em estado nascente. Aqui ninguém é rico ou pobre. É simplesmente gente que se expressa como gente, usando a gíria popular. Há muito humor, piadas e bravatas. Às vezes, como em Minas, se improvisa até uma cantoria que alguém acompanha ao violão.
Ninguém repara nas condições gerais do balcão ou das mesinhas. O importante é que o copo esteja bem lavado e sem gordura senão estraga o colarinho cremoso do chope que deve ter uns três dedos. Ninguém se incomoda com o chão e o estado do banheiro.
Os nomes dos botecos são os mais diversos, dependendo da região do país. Pode ser a Adega da Velha, o Bar do Sacha, o boteco do Seo Gomes, o Bar do Giba, o Botequim do Jóia, o Pavão Azul, a Confraria do Bode Cheiroso, a Casa Cheia e outros. Belo Horizonte é a cidade que mais botecos possui, realizando até, cada ano, um concurso da melhor comida de boteco.
Os pratos também são variados, geralmente, elaborados a partir de receitas caseiras e regionais: a carne de sol do Nordeste, a carne de porco e o tutu de Minas. Os nomes são engenhosos: "mexidoido chapado”, "porconóbis de sabugosa”, "costela de Adão” (costelinha de porco com mandioca), "torresminho de barriga”. Há um prato que aprecio sobremaneira, oferecido no Mercado Central de Belo Horizonte e que foi premiado num dos concursos: "bife de fígado acebolado com jiló”. Se depender de mim, este prato deverá constar no menu do banquete do Reino dos Céus, que o Pai celeste vai oferecer aos bem aventurados.
Se bem repararmos, o boteco desempenha uma função cidadã: dá aos frequentadores especialmente aos mais assíduos, o sentimento de pertença à cidade ou ao bairro. Não havendo outros lugares de entretenimento e de lazer, permite que as pessoas se encontrem, esqueçam seu status social e vivam uma igualdade, geralmente, negada no cotidiano.
Para mim, o boteco é uma metáfora da comensalidade sonhada por Jesus, lugar onde todos podem sentar à mesa e celebrar o convívio fraterno e fazer do comer, uma comunhão. E para mim, é o lugar onde posso comer sem má consciência.
Dedico este texto ao cartunista e amigo Jaguar que aprecia botecos.

domingo, 13 de novembro de 2011

Brilha uma estrela!!!

Do Adital.org
11.11.11 - Brasil
Lula
Selvino Heck
Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República
Adital


Não se faz um Lula todos os dias. Não acontecem Lulas a qualquer hora.

Todas e todos temos duzentas mil histórias sobre Lula, mesmo os que não gostam dele ou dele divergem de forma mais ou menos profunda, direta e indiretamente. Ou o conhecemos pessoalmente, ou o encontramos aqui ou acolá, num comício, na boca de urna e no voto, nas greves e mobilizações sociais, nas entrevistas e debates públicos, ou porque beneficiários das políticas de seus dois governos. Por isso tudo e mais um pouco, permitam-me um depoimento pessoal.

Conheci Lula no II Encontro da ANAMPOS – Articulação Nacional de Movimentos Populares e Sindicais, (quando, aliás, também conheci Frei Betto), acontecido no Instituto Paulo VI em Taboão da Serra, São Paulo, em 1981. Fomos eu, João Pedro Stédile, Walter Irber e Olívio Dutra do Rio Grande do Sul (viajamos de ônibus, eram outros tempos). O Encontro estava programado para ser no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, que sofrera intervenção dias antes, por mais uma greve dos metalúrgicos liderada por Lula. A ANAMPOS fez seu primeiro encontro em João Monlevade, MG. Reunia, ineditamente, dirigentes sindicais combativos, lideranças de movimentos populares urbanos e rurais e de pastorais, num esforço de diálogo entre setores populares de luta que quase não se encontravam, mas que, em tempos de ditadura, faziam trabalho de base, vinham da luta social autêntica, da educação popular freireana e precisavam organizar-se nacionalmente. Estava surgindo o Partido dos Trabalhadores e a partir das reuniões e reflexões da ANAMPOS surgiram a CUT em 1983 e, mais tarde, a Central de Movimentos Populares (CMP).

Mas na verdade conheci Lula antes, como morador da Lomba do Pinheiro, periferia de Porto Alegre, onde organizamos um Fundo de Greve de apoio às greves dos metalúrgicos do ABC, fundamos o primeiro Núcleo de Base do PT e organizamos a Oposição Sindical dos trabalhadores da Construção Civil, a partir de uma grande greve em 1979 e à luz das lutas do ABC paulista.

Lula foi-se se tornando alguém de casa e cozinha para muitos de nós, líder sindical respeitado por sua coragem, pela capacidade de liderança e por acreditar que a organização levaria os trabalhadores à transformação do Brasil, superando o peleguismo sindical então reinante.

Ao longo do tempo e da vida, nestes mais de trinta anos, foram inúmeros os contados e de diferentes formas Como por exemplo, os Comícios das Diretas-Já, em Porto Alegre, onde eu representava a Pastoral Operária. Depois, deputado estadual constituinte, comi um churrasco,num apartamento em Brasília, onde três constituintes federais moravam juntos: Lula, Olívio Dutra e o hoje Senador Paulo Renato Paim. Ou as inúmeras campanhas a prefeito em Porto Alegre, especialmente a primeira vitoriosa, Olívio Dutra prefeito em 1988, com as grandes caminhadas às sextas-feiras pelas ruas de Porto Alegre. Ou a memorável campanha de 1989, da qual fui Coordenador Geral no Rio Grande do Sul, quando, pela história política de Brizola, Lula fez 6% dos votos dos gaúchos no primeiro turno e, com apoio de Brizola, acachapantes 60 e tantos por cento no segundo. Ou no início dos anos 90, eu presidente estadual do PT/RS, levando Lula e Olívio Dutra no meu Passat velho para os altos do morro Santa Teresa em Porto Alegre para uma entrevista na TV Educativa, o Passat quase não subindo o morro e Lula reclamando de como um partido que queria ser grande nem ao menos carro decente tinha.

Ou as Caravanas da Cidadania, nos anos 90, jornadas por todo Rio Grande (e Brasil). E, por artes do destino e do inesperado, depois da grande vitória em 2002, Frei Betto, nomeado Assessor Especial de Mobilização Social do presidente eleito, convida um grupo de educadores populares, entre os quais eu, para ajudar na mobilização social e educação popular das famílias beneficiadas pelo Programa Fome Zero. Frei Betto sai do governo e acabo Assessor Especial do Presidente por seis anos.

Lula tem pelo menos duas grandes virtudes, e entre tantas qualidades, que sempre me chamaram a atenção.

Lula sempre soube ver na frente, sempre soube antecipar-se aos fatos. Foi assim com as greves do ABC, ainda nos anos setenta, em meio à ditadura, quando vislumbrou o enfraquecimento do regime, a possibilidade da abertura democrática, combinados com o empobrecimento dos trabalhadores. E, a partir da vivência, da prática e da realidade, enxergou a necessidade e o espaço para criar um partido dos trabalhadores. Ou a importância da formação política dos trabalhadores. O Sindicato dos Metalúrgicos sempre teve processos organizados de formação, com participação de, por exemplo, Frei Betto e do ex-ministro Paulo Vannucchi. Mais tarde, a criação do Instituto Cajamar e depois do Instituto Cidadania. Assim foi a proposta do Fome Zero no início do seu governo, a aposta na candidatura Dilma, mulher, gestora competente, nova eleitoralmente. Ou, agora, como ex-presidente, com os olhos voltados especialmente para a América Latina e África.

Lula sempre teve e demonstrou um amor entranhado, primeiro e preferencial, pelos pobres,pelos fracos e oprimidos. A falta de um emprego, a ausência de salário, não ter comida para pôr na mesa, a fome, as condições de vida dos trabalhadores sempre forram seu indicador maior, seu norte. São inúmeros fatos, as histórias na sua trajetória de dirigente sindical, de dirigente político, de presidente. Como quando, por exemplo, depois de muita insistência de seu Chefe de Gabinete, Gilberto Carvalho, cancelou todas as audiências para cumprimentar e falar longamente com os hansenianos, que jamais tinham sido atendidos por ninguém, muito menos por um chefe de governo. Ou dos catadores e moradores de rua, com quem se encontra todos os anos em São Paulo dias antes do Natal.

Por isso, quando esta semana, na abertura da IV Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional em Salvador, Bahia, o presidente do CONSEA, Renato Maluf, e no encerramento o ministro Gilberto Carvalho mencionaram o nome de Lula, os mais de dois mil delegados e presentes se levantaram e começaram a cantar em coro e emocionadamente o Lula-Lá de 89, que nunca mais esqueceram e nunca mais esquecerão.

Em onze de novembro de dois mil e onze.

O mal da xenofobia cresce pela Europa

Da Carta Capital

‘Grupos xenófobos devem crescer ainda mais’, diz pesquisador britânico

Estudo de Birdwell aponta que movimentos populistas conseguem trazer cada vez mais adeptos online para o ativismo nas ruas. Foto: Demos
Os movimentos e partidos populistas, ou ultradireitistas, ganharam força na Europa Ocidental na última década por meio de discursos personificados contra, entre outros temas, a imigração e o multiculturalismo. Hoje, esses grupos avançam e conquistam adeptos divulgando sua ideologia nas redes sociais. É essa ligação quase desconhecida que o estudo The New Face of Digital Populism (O Novo Rosto do Populismo Digital, em tradução livre), realizado pela organização independente britânica Demos, analisa.
O levantamento pediu a simpatizantes de grupos populistas, que geralmente se organizam à margem da sociedade e visam representar lemas conservadores das classes menos favorecidas, de 11 países europeus para preencherem um questionário.
As mais de 10 mil respostas indicaram, segundo o instituto, o descontentamento desta parcela da população com governos, sistemas de Justiça e as elites política e financeira do continente. Aspectos semelhantes à onda de manifestações internacionais contra o neoliberalismo, liderada por jovens lembrados como “os indignados”.
“Os movimentos ‘Occupy’ [Ocupar Wall Street, por exemplo] têm semelhanças com esses grupos no sentido em que ambos são populistas, desafeiçoados das elites e advogam contra os sistemas político e financeiro”, diz Jonathan Birdwell, pesquisador sênior do Demos e um dos autores do estudo, em entrevista a CartaCapital.
No entanto, as similaridades entre os grupos resumem-se apenas aos aspectos econômicos citados acima, aponta Birdwell. Segundo ele, os 14 grupos analisados, entre eles o Bloc Identitaire (França), CasaPound (Itália) e English Defence League (Reino Unido), vão além da insatisfação com o sistema capitalista moderno e acrescentam ao seu discurso ideias xenófobas, típicas da direita conservadora. Algo que pôde ser captado na pesquisa, pois os entrevistados mostraram-se contra imigração, o Islã e o multiculturalismo, por avaliarem que sua identidade nacional estaria ameaçada. “Mesmo assim é significante o fato de assistirmos ao surgimento de movimentos populistas em ambos os lados.”
De acordo com a pesquisa, os grupos populistas mapeados são compostos majoritariamente por homens (75%) e jovens (63% têm menos de 30 anos), que utilizam mídias sociais online de forma massiva, somando mais de 430 mil seguidores no Facebook. Uma ferramenta de publicidade ideológica que auxilia esses movimentos a levarem 26% de seus “participantes virtuais” às ruas em protestos e demonstrações. “É muito fácil clicar no botão ‘Curtir’ na página da English Defense League, mas esse resultado é bem mais elevado que a média de cidadãos europeus de 10%”, diz. “Essas pessoas estão usando a internet e ferramentas online como uma ponte para estimular de fato outros a se envolverem no ativismo do mundo real.”
Na migração do universo digital para a realidade, a maioria dos entrevistados se disse contrária ao uso da violência a fim de alcançar seus objetivos. Por outro lado, 26% concordaram com atitudes “mais firmes” para atingir as metas almejadas. “Os apoiadores destes grupos tendem a ser muito impacientes, impulsivos, energéticos e querem partir para a ação, mas não creio que vão se voltar exclusivamente para o uso da violência.”
O pesquisador reconhece, porém, o potencial negativo da retórica dos movimentos populistas, aos quais atribui a capacidade de criar “lobos solitários” como Anders Breivik, responsável por um duplo atentado na Noruega, em protesto à invasão islâmica na Europa, que deixou 77 mortos. “Alguns grupos combinam um sentido de urgência ao colocar em jogo a cultura nacional e a identidade dos indivíduos. Usam dados demográficos para dizer que em 50 anos, os imigrantes muçulmanos no continente serão maioria e os europeus étnicos minoria em seu próprio país.”
No cenário atual de avanço do populismo, Birdwell afirma ainda não ser possível prever o impacto desta ideologia nas novas gerações de cidadãos europeus, mas mostra-se preocupado com o perfil jovem dos integrantes destes grupos. A pesquisa, no entanto, já reflete um aspecto contraditório na população mais jovem, na faixa de 16 a 20 anos. Cerca de 20% deles citaram a imigração como motivo para apoiar movimentos direitistas, contra apenas 10% dos indivíduos acima de 50 anos.
Apesar de os jovens serem vistos como mais liberais que as gerações anteriores, o pesquisador destaca a preocupação do setor com os rumos da economia da Europa e da Zona do Euro. “Caso a situação siga por um caminho ruim, devemos nos preocupar, pois o apoio a movimentos anti-imigração e xenófobos vai continuar a aumentar, como é historicamente comum nestes períodos.”
Desiludidos sobre o futuro de seus países e críticos à União Europeia, apontada como a responsável pela perda de controle nas fronteiras, 70% deles não confiam mais no sistema de Justiça. Contudo, mesmo sem crer também na política, consideram o voto importante. Por outro lado, 67% votaram na última eleição em partidos populistas, que alcançaram relativo espaço na Europa. “É importante medir o impacto destes grupos na política não pelo tamanho que ocupam e sim pela capacidade de influenciar a elite política com seus discursos”, diz.
Segundo Birdwell, Nicolas Sarkozy, Ângela Merkel e David Cameron já adotaram o antimulticulturalismo, uma ação que reflete a retórica populista. “Conforme os políticos de destaque começam a adotar essas retóricas, vê-se o impacto que esses grupos podem ter.”