Da Revista Brasil: Nós, Blogueiras
Ativistas na vida e na rede
Mulheres que trazem em sua trajetória a luta pelo reconhecimento de sua voz e seu valor dão o ar da graça na blogosfera
Por: Letícia Cruz e Virgínia Toledo, Revista do Brasil/RedeBrasilAtual
17/03/2011
Conceição Oliveira, blogueira do www.viomundo.com.br/blog-da-mulher (Foto:Maurício Morais/Revista do Brasil)
“Todo dia ela faz tudo sempre igual, me sacode às 6 horas da manhã…” O verso de Cotidiano, de Chico Buarque, retrata a rotina de um casal nos anos 1970 e poderia traduzir a vida dessas mulheres. Elas acordam cedinho, algumas levam filhos à escola e, depois, mãos à obra. Passividade, porém, não é com elas. São ativistas, feministas, femininas, blogueiras. As novas tecnologias abrem portas. Basta haver conexão, computador, ou celular, e boas ideias. E essas mulheres têm muitas. Para elas, a educação e o acesso à informação vão além das paredes da escola e do papel da família – o espaço para o “embate” é ilimitado.Maria da Conceição Oliveira é dona do blog Maria Frô (www.mariafro.com.br). Frô vem de Afrodite, deusa grega do amor, capaz de deixar maluco o próprio Zeus. Mitologias à parte, a paulista nascida em Santos se formou em História pela USP e sabe tudo de educação e cultura. Ao receber a reportagem, nota-se que a polêmica sobre a internet vir a acabar com o livro impresso não tem espaço em suas estantes: “Minha casa é tomada por livros. Estão por todos os lados, não se assustem!”O colégio da filha é perto de casa, mas o trânsito… “É infernal! Levar uma hora para ir até ali e voltar é sinal de falta de política pública.” Pronto, pauta para o blog, que analisa o contraste entre o mundo imaginário da mídia tradicional e o real. A facilidade em se comunicar, segundo ela, vem da indignação: “Quando vejo o cotidiano grotesco, preciso externar”.Quem navega pelo blog de Maria Frô encontra um estilo didático, sem firulas. Assim também no Blog da Mulher, dentro do site Vi o Mundo, do jornalista Luiz Carlos Azenha, onde Frô assina Conceição Oliveira. Ali, questões como preconceito racial e de gênero viram grandes discussões. “É preciso ter preocupação com o leitor e deixar de pensar que tudo é óbvio”, afirma. “Tento usar minha função de educadora para desenvolver a leitura de uma maioria que não exercita isso.”
A imagem da mulher na mídia
Claudia Cardoso, do blog Dialógico, que aborda política e o cotidiano no Rio Grande do Sul, não o alimenta com regularidade desde que foi convidada a trabalhar na comunicação do governo estadual, em janeiro, mas considera-se uma militante em atividade pela democratização da informação, privilegiando o recorte feminista. “Existem grupos de discussão de blogueiras que fazem o trabalho de questionar a imagem da mulher na mídia, a violência contra a mulher e tantos outros desafios importantes. Ferramentas como a internet ajudam a manifestar nosso pensamento”, resume. Está ali, pronto para ser frequentado a qualquer momento, esse cada vez mais explorado campo de batalha.
Feminina, feminista
A jornalista Ruth Alexandre também anseia pôr a boca no mundo. Acorda às 6, leva o filho para a escola, volta e gruda no computador para abastecer seu blog Fala Povo. Produz material próprio e links para o que considera importante. “Eu já estava cansada daquele jornalismo plastificado.” Ruth conta que sempre se colocou em patamar de igualdade, tanto no meio jornalístico como com autoridades do sexo masculino. “Eu não abaixo a cabeça para ninguém. Todo mundo sabe que pode vir quente, porque se precisar aqui o berimbau toca mesmo”, brinca.Ela educa seus dois meninos para, quando estiverem convivendo com uma mulher, tratá-la em pé de igualdade. “ ‘Não esqueçam que sua mãe é mulher, sua avó é mulher e você vai ter filhas’. Digo isso para que eles tenham absoluta certeza de que merecemos o maior respeito”, ensina. “Feminina a gente já nasce um pouco e, ao resto, somos moldadas”, afirma, referindo-se ao que chama de processo de “adestramento” a que a indústria cultural, do consumo e das relações sociais ainda submetem as mulheres.Na época em que a questão do aborto ocupou o centro das atenções na campanha eleitoral, Ruth escreveu um post sobre uma experiência própria. “Tive um aborto espontâneo e fui para o hospital, quase ao passo de morrer. Lá, uma mulher me interrogou como se eu fosse criminosa e como se tivesse feito aquilo de propósito”, lembra, observando como a cultura machista enraizada não se expressa somente pelos homens. “Para tentar desestruturar a candidatura de uma mulher à Presidência, tentaram de tudo”, indigna-se. “O aborto é uma questão feminina e feminista e, incontestavelmente, tem de ser decidida por nós mulheres.”E que venha o debate. Manter blog é estar pronto para conviver com admiradores e detratores. E conviver com os contrários é um exercício que agrada Conceição Oliveira. “Procuro argumentar e questionar essas pessoas do porquê de determinado pensamento, debater e sugerir a elas algum tipo de reflexão.”Não é preciso busca minuciosa para chegar a dezenas, centenas, milhares de páginas na internet sobre moda, comportamento, beleza, algumas utilidades e outras tantas futilidades. Mas aos poucos, sobretudo na blogosfera, surgem as mulheres que querem aproveitar o tempo e o espaço para fugir dos estereótipos que acentuam uma desigualdade a ser superada. “Tenho uma filha que joga futebol melhor que muito homem. Mulher não precisa falar só sobre um assunto. Pode explorar outras coisas de acordo com o humor que estiver no dia”, afirma Conceição Oliveira.Batalha contra o tempo
Para Andrea Dip, a vida de blogueira-comunicadora tem de se encaixar em outra realidade não menos importante, a de ser mãe. Desde a época da faculdade, ela escrevia muito sobre direitos humanos, direito da mulher, da igualdade, da liberdade e principalmente sobre os costumes da sociedade. Foi quando a vida antecipou-lhe uma nova vocação: a gravidez ainda no último ano de Jornalismo, e o desafio deconciliar os ofícios de “recém-mãe” e recém-formada. “Quando a gente engravida, a sociedade vem com aquela história da mulher em estado de graça, de perfeição, mas eu vivi aquilo e sabia que não era bem assim. Não é fácil administrar carreira, filho e casa. Tudo isso é adaptação, e não uma condição”, afirma.Com o filho crescendo e a rotina se intensificando, um amigo sugeriu que ela dividisse os sabores e dissabores de seu dia a dia com outras pessoas. Foi aí que surgiram as histórias inusitadas de Mães em Surto, uma coluna criada dentro do blog Nota de Rodapé.As crônicas de Andrea seguem à risca as desventuras que as mães vivem e também passeiam por temas sugeridos por amigas que passam pela mesma empreitada. Com o trabalho fixo num grande portal, os “frilas” para completar o orçamento, o cuidar da casa e da “agenda” em torno do filhote, é difícil manter a regularidade dos posts. Mas pelo menos a página está lá, sempre pronta para o momento em que a inspiração, disposição e disponibilidade se encontrem no mesmo lapso de tempo.Além do gênero
A jornalista Conceição Lemes, de tão assídua frequentadora e comentarista do blog Vi o Mundo, passou a sugerir e produzir pautas. A primeira foi sobre o Cansei – movimento hostil ao governo Lula que surgiu em 2007 – ter incluído indevidamente o Conselho Regional de Medicina de São Paulo entre seus integrantes. Outra abordava a campanha alarmista de grandes jornais para que a população se vacinasse em massa contra a febre amarela. E assim sua participação foi crescendo, até que recebeu o convite formal de Luiz Carlos Azenha para que mantivesse sua coluna sobre saúde.Repórter especializada na área há 29 anos, com oito livros publicados e mais de 20 prêmios, Conceição encontrou no blog um espaço de liberdade. “O Vi o Mundo me possibilita fazer esse jornalismo de verdade, sério, o jornalismo em que acredito. Em outros veículos, as reportagens que faço não sairiam. Essa é a minha forma de estar na vida. Prefiro vender cachorro-quente a fazer um jornalismo em que não acredite”, afirma. Sua fonte de renda são projetos especiais ligados à saúde, livros, séries de reportagens etc. “O blog eu faço por prazer.”O rigor é o principal ingrediente de suas reportagens. “Não faço jornalismo opinativo, artigo. Entrevisto especialistas, gosto de escarafunchar. Com todo esse tempo fazendo saúde, fui trilhando fontes éticas e competentes, às quais recorro sempre. Leio, checo, ‘tricheco’, vou atrás. Em saúde você não pode errar. É muito sério.” Além de atuar nessa área, no último ano Conceição ampliou sua atuação no Vi o Mundo, com reportagens investigativas.Casada e sem filhos, ela dedica boa parte do seu dia à blogosfera, conversa com fontes, confere informações, insiste por entrevistas. “Minha vida é normal, ando, leio, vou ao cinema, cuido dos gatos. Antes eu tinha cachorros… Adoro bichos.” Seu sonho de jornalista full time nada mais é que “continuar exercendo a profissão de forma responsável”.A blogosfera também é espaço para furar o cerco do clube do Bolinha. Futebol, por exemplo, é assunto de menina, sim, senhora. A jornalista Thalita Pires, que não tem como objetivo de carreira escrever sobre o esporte, leva essa paixão para o blog Futepoca – Futebol, Política e Cachaça, que já ganhou prêmio em 2007. Thalita trabalhou nas revistas Fórum e Época e no Jornal da Tarde, decidiu ir para Londres em 2008 com o marido para estudar e voltou de lá em 2010 com um mestrado em Planejamento Urbano. “Tema mais distante ainda do futebol”, pontua, mas no qual pretende se estabelecer profissionalmente. São-paulina, com uma “quedinha pela Portuguesa”, ela não se queixa de já ter recebido comentários preconceituosos por seus textos no Futepoca. “Sempre que há discordância de opinião os leitores tratam de argumentar, não de falar que eu deveria estar na cozinha.”
E, se há alguma ousadia no fato de meninas circularem com desenvoltura em ambientes tipicamente masculinos, a gaúcha Luísa Helena Stern vai ainda mais longe: nascida menino, ela decidiu corrigir esse capricho da natureza assumindo de corpo e alma o seu universo: “Sou uma mulher múltipla”, define-se. Transexual, Luísa é funcionária pública e divide seu tempo entre diversas tarefas, incluindo manter o blog Cultura Crossdresser, para defender o direito LGBT – de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros. Seu engajamento virtual tem o objetivo de disseminar uma reflexão da condição do homossexual e de tratar o tema com naturalidade, com discurso igualitário. “Já sofri muito preconceito, inclusive das redes sociais.”Antes de tomar a decisão e se tornar transexual, a blogueira era crossdresser – pessoa de um sexo que se veste e age como se fosse do sexo oposto. “Vivi muito tempo nessa condição. Os crossdressers são pessoas escondidas do mundo real. No meu caso, recorria ao virtual para participar de grupos e clubes sobre crossdresser”, conta. “Meu blog foi criado por isso.” Depois que Luísa assumiu sua identidade feminina, outros assuntos vieram à tona, como o combate à homofobia, o ativismo para o direito dos transgêneros e o combate a toda forma de discriminação.
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