domingo, 9 de janeiro de 2011

"A grande discussão no momento nos EUA é o quanto uma campanha virulenta, que adota um vocabulário bélico, pode causar tragédias como a de ontem."

Por Lola Aronovich, em seu blog

UMA TRAGÉDIA AMERICANA

Vigília em frente ao hospital onde congressista está internada

Até ontem quase tudo que eu sabia de Tucson, Arizona vinha da música “Get Back” dos Beatles (veja a famosa apresentação no telhado). Ontem também foi uma das primeiras vezes que me informei inteiramente de um incidente através do Twitter.
Estou falando do tiroteio que matou seis pessoas e feriu quatorze ontem, em Tucson. O massacre, solitário, cometido por um rapaz de 22 anos, Jared Lee Loughner (foto abaixo; a polícia procura um cúmplice, que não participou dos tiros), é diferente dos vários que acontecem nos EUA em escolas e lanchonetes, aqueles feitos por adolescentes rancorosos ou ex-veteranos de guerras. Este parece ter tido motivação política. Ok, assassinatos e atentados a políticos também estão longe de ser inéditos entre os americanos, que já teve presidentes alvejados (Lincoln,Kennedy, Reagan etc – há uns vinte casos, apenas entre presidentes e ex-presidentes), mas em geral o atirador só dispara contra seu alvo. Não foi o caso aqui.
O principal alvo desta vez parece ter sido a congressista Gabrielle Giffords. Ela recebeu uma bala na cabeça, à queima roupa. A notícia que ela havia morrido circulou na mídia, mas ela está viva em estado crítico.Giffords é jovem (40 anos), estava em seu terceiro mandato, e é considerada uma democrata moderada. Ou seja, ela apoiava direitos iguais para gays e era a favor do aborto, mas também exigia políticas mais duras contra imigrantes ilegais, e defendia o porte de armas (previsto na constituição americana e um ponto crucial pra um povo que adora atirar). Na tarde de sábado, ela participava, em frente a um supermercado, de um evento que visa aproximar políticos da população. 
A grande discussão no momento nos EUA é o quanto uma campanha virulenta, que adota um vocabulário bélico, pode causar tragédias como a de ontem. A candidata a vice presidente pelo Partido Republicano nas últimas eleiçõesSarah Palin, havia divulgado um mapa com alvos de vinte congressistas a serem combatidos, e Giffords estava entre eles. O que eles fizeram de tão terrível? Votaram a favor da reforma de saúde de Obama (os EUAdevem ser o único país do mundo que é contra saúde pública). Palin, ídola entre os loucos do movimento conservador Tea Party, também disse para os americanos “reload” (recarregarem), ao invés de “retreat” (recuarem). 
A linguagem militar, bélica, para se falar de política não é nenhuma novidade nos EUA. Não foi inventada por Palin. Mas, num clima carregado como o atual — o país está dividido, republicanos e democratas discordam em tudo —, essas palavras podem ter peso ainda maior. Como perguntou Michael Moore: e se fosse um muçulmano de Detroit que colocasse alvos em vinte políticos, e um deles fosse baleado? 
E não foi só Palin. A campanha eleitoral do maior adversário de Giffords, o republicano Jesse Kelly, incluía eventos como o “Alvo da Vitória” em que, com o propósito de “remover Giffords”, eleitores eram convidados para atirar com uma arma M16. Coisas que só se veem nos EUA, e talvez no Afeganistão.
Em março, o escritório de Giffords foi vandalizado. Em 2009, um homem foi retirado de um evento (como o de ontem) quando sua arma caiu. Numa entrevista, Giffords disse que não estava com medo, mas que os políticos que faziam campanhas dessas deviam estar atentos para as consequências de suas palavras. 
Se Giffords morrer, será a primeira política mulher americana a ser assassinada desse jeito, em público.
A ironia mais trágica é que uma das seis vítimas é uma menina de nove anos, nascida sabe quando? Exatamente no dia 11 de setembro de 2001, quando as Torres Gêmeas foram derrubadas por atos terroristas. A garota, Christina, junto com outros bebês nascidos no dia, era um dos “Rostos da Esperança”. Ela foi participar do evento de Giffords porque fazia parte do conselho estudantil de sua escola. Estava começando a se interessar por política.
Enquanto isso, aqui no Brasil, um leitor discute comigo porque quer ter o direito de insultar homossexuais, já que ele acredita que palavras de ódio não têm qualquer ligação com a violência física (como a do grupo de jovens atacando gays na Av. Paulista). Sábado retrasado, no dia da posse da nossa primeira presidenta, um monte de internautas pedia para que algum atirador alvejasse Dilma. Era piada? Ou eles realmente creem que o modelo americano deve ser copiado?

P.S.: Veja o excelente editorial de Keith Olbermann exigindo que as pessoas parem de usar linguagem violenta. Está em inglês, mas você pode clicar em subtitles e acompanhar as legendas em inglês. 

2 comentários:

  1. O trágico desses assassinos, muitas vezes são "sem noção" da vida que são contratados para fazerem atos políticos contra os que seriam contra os interesses americanos. Na Bolívia e Venezuela apareceram histórias de jovens contratados pela CIA para "protestar" contra Evo Morales e Hugo Chaves. Na Bolívia houve até a região que queria a separação. Li que muitos dos ativistas eram também contratados. Quando houve o caso das sugestões de que se "metesse uma bala na cabeça de Dilma", me lembrei que esses "jovens" também podem ter sidos contratados. É o problema do velho ditado "cria corvos e eles te comerão os olhos".
    A queda das 2 torres foi muito emblemático para que os EUA repensassem suas ações. Não fizeram isso e pior, nem foram atrás dos verdadeiros responsáveis. Bim Laden virou mito. Agora, com a morte dessa criança, eles irão rever seus métodos? Tenho esperança que sim.

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  2. Estes bandos são um perigo, o velho espírito da brutalidade em grupo, geralmente o líder se esconde

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