quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Lembrem-se das mulheres, sempre.

Do RS Urgente

Levem ao menos uma mulher, pede Fórum de Davos

Por Katarina Peixoto
Que o Fórum Econômico de Davos está mal das pernas ninguém questiona. A novidade do Fórum que não é mais só do Norte, embora siga frio e dos muito ricos e riquíssimos, está num pequeno detalhe: os organizadores estão consternados com a falta de diversidade de gênero dentre os participantes do encontro na cidade suíça.
É claro, a consternação fundamental segue sendo outra, embora não transparente enquanto agenda. Trata-se do enigma de como continuar mandando no mundo, nesta conjuntura e com as mudanças em direção da multipolaridade em curso. Vale dizer que essas decisões importantes não ocupam conferências, por mais fechadas que estas venham a ser. Para cada conferência há algum acadêmico “prêt-à-penser”, como disse o professor da Universidade de Barcelona, Toni Domènech e outros macacos de auditório do gênero, como ex-governantes, periféricos ou não, dos anos 90 e grande elenco de sumidades, do porte de um Paulo Coelho, Bono Vox e coisas assim. Eles são auditório, isso mesmo. Porque as conferências e os acordos, as decisões e os debates, em Davos, não são públicos.
Nem a bagatela do preço dos ingressos dá acesso ao que o Fórum Econômico Mundial estabelece como agenda. Para esta não há bilhete premiado. Poder global não cai do céu nem se compra em paraíso fiscal, unicamente.
O colunista Andrew Ross Sorkin do New York Times fez uma bem humorada crônica(24/01/2001) sobre o custo Davos para os seus participantes. Na crônica, constam não somente os dados relativos à organização do FEM e os relatos de alguns participantes com grande expressão no encontro anual e demais atividades da área.
Ross Sorkin refere um detalhe interessante. A fim de incentivar a diversidade de gênero, o Fórum Econômico Mundial está solicitando aos participantes de nível mais alto (ver no texto do NYT os vários níveis de associação ao WEF, conforme os títulos de sócio oferecidos) que, dentre os cinco convidados a que têm direito, convidem ao menos uma mulher. Em números, os associados com carteirinha de “Parceiro Estratégico” pagam 522 mil dólares (um milhão de reais, em média) para poderem participar do evento de uma semana na cidadela, fora os ingressos individuais, no valor de 19 mil dólares cada um e os demais custos de viagem.
Do outro lado do mundo, em termos quase verticais, ocorrerá o Fórum Social Mundial, em Dakar, no Senegal, pouco depois do encontro dos ricos e muito ricos. Os seus organizadores costumam dizer que o caráter de contraponto a Davos foi superado e que o Fórum Social Mundial é muito maior do que um embate contra os donos do mundo poderia ser. É claro, essa não é uma posição imune a críticas e bem se sabe que o FSM tem um aspecto babilônico gratuito.
Dada a gravidade da crise econômica e financeira no mundo, há quem fale, e não são poucos, em crise civilizatória. O Fórum de Davos não tem, como é sabido e ressabido, autoridade para apresentar uma agenda para o mundo pós-crise ou mesmo de transição que conte com políticas globais para o seu enfrentamento. O Fórum Social Mundial, por outro lado, tem mais do que autoridade para debater uma agenda, aliás em gestação há mais de dez anos, entre os sujeitos objetificados pelos donos do mundo de Davos, e entre os movimentos sociais que ajudaram e estão ajudando a mudar ao menos a América Latina.
Quando a escumalha a ser reunida em Davos apresenta uma regra para quantificar a participação feminina não está adotando mais um expediente de absorção da agenda civilizatória. Pedir “ao menos uma mulher” aos mais ricos dentre o maior encontro dos mais ricos do mundo é um pouco mais que uma confissão de culpa, porque não é errado apenas moralmente, coisa que de resto em nada incomodaria a um Fórum com aquele perfil moral.
Pedir aos bilionários ao menos uma mulher é uma confissão do embrete civilizatório em que esses patifes estão. Ao menos no Senegal há gente, e haverá muitas mulheres. Não será um Fórum somente do Sul, mas também dos do Norte empobrecido e embrutecido pelas políticas brindadas em Davos e impostas ao resto do mundo. E será na África, o continente credor da orgia de Davos, lá onde os “perdedores” e os “mal sucedidos” estarão. Parte deles, inclusive, descerá das ruas geladas para o continente africano, porque outro mundo é possível, ao menos por isso.

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