sábado, 4 de dezembro de 2010

O..observando... hipócritas!!!

Por Lola Aronovich, em seu blog

NÃO SOMOS HOMOFÓBICOS

Como todos sabem, o Brasil vive uma total democracia racial, com irrestrita liberdade de oportunidades para brancos e negros, e o fato da maior parte dos pobres serem negros não passa de uma infeliz coincidência. Juntando-se ao coro do surrado “não somos racistas” chega o “não somos homofóbicos”. Comentei com meus alunos os terríveis incidentes dos últimos dias. Sabe quais, né? A gangue de jovens que atacou supostos gays na Av. Paulista, o oficial do exército que atirou num rapaz no Rio após a Parada Gay (mas não foi de propósito; a arma disparou; foi só pra intimidá-lo), o jovem de 18 anos preso por beijar um menino de 13 num cinema (se fosse uma menina de 13, alguém chamaria a polícia?), uma das maiores universidades privadas do Brasil, a Mackenzie, que colocou em seu site um artigo defendendo a “missão” religiosa de condenar a homossexualidade. Mesmo depois de tudo isso, meus alunos insistem que não, de jeito nenhum, não é verdade que um gay seja assassinado a cada dois dias no Brasil. E juram que os fatos que citei são frutos do acaso, não resultado de uma cultura amplamente homofóbica. 
Enquanto isso, um leitor no meu blog afirma que não é homofóbico, só não gosta de gays e quer ter o direito de chamar os “viados” pelo que eles são, “viados”. Pra ele tal termo não é ofensivo; afinal, ele, que o usa, não é homofóbico. Ele deve tratar as mulheres como “vadias” e os negros como “crioulos”, mas tenho certeza que tampouco é machista ou racista. E nós não deveríamosligar pra linguagem, e sim pra violência, já que uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra. Lógico que não tem! Aposto que os jovens da Av. Paulista que se armavam de bastões de luz branca pra arrebentar a cara de qualquer homem “suspeito” se referiam aos gays com o maior respeito! Aposto que eles não pegaram esse hobby de sair por aí de madrugada espancando gays após ouvir um discurso diário de que gays são viados, pedófilos, imorais, sub-humanos, a escória. Não, eles simplesmente se levantaram um dia e tiveram essa ótima ideia de entretenimento de bater em gays, se possível até a morte. Esses rapazes, juram seus pais, também não são homofóbicos. Foi apenas uma briguinha entre jovens. Pior: uma das vítimas teria cantado alguém da gangue, e o pobre alvo do assédio moral simplesmente reagiu, quebrando uma lâmpada fluorescente na cabeça do outro! (eu devo ter perdido alguma coisa: como um grupo de rapazes que sai de madrugada cheio de ódio pra dar e armado com bastões de luz pode se dizer vítima de alguma coisa, ainda mais de assédio moral?). 
Da última terça pra hoje, surgiram mais notícias que evidentemente não tem qualquer relação com a homofobia (e olha que sou desatenta): um grupo neonazista ameaçou matar travestis em Porto Alegre; um travesti foi morto a pedradas em Tubarão (mas melhor nem falar de travesti, que meus alunos não veem diferença entre gay e travesti. Ahn, dica: homossexual é quem gosta de alguém do mesmo sexo. Travesti é alguém que se transforma em outro sexo. Se um homem vira mulher, através de um longo processo de transformação, e passa a gostar de homem, ele é uma mulher gostando de homem. Logo, não é gay. Acontece que meus alunos não aceitam que alguém mude de sexo, mesmo que, em todos os casos de transexualidade, as pessoas se descobrem aprisionadas num corpo que não era delas desde crianças. Isso não importa, segundo meus alunos. Nasceu homem, morre homem. Quer dizer, homem em termos, porque eles tampouco acham que homem gay é homem. É, eu também fico confusa. Para explicar melhor, um aluno disse que, se houvesse um vírus que matasse todos os homens do planeta, os travestis que se tornaram mulheres também morreriam. Essa é a justificativa dele pra não aceitar jamais que alguém mude de sexo: um vírus tão perigoso quanto inexistente); em Salvador, um diretor e roteirista de uma série gay foi forçado a beber gasolina e comer terra (e provavelmente estaria morto se não fosse um caminhoneiro que parou para interromper o ritual); e um já lendário deputado federal de direita, Jair Bolsonaro, disse na TV Câmara que pais deveriam bater no filho com tendências homossexuais para corrigi-lo. Sua declaração, um modelo de como a linguagem não tem qualquer ligação com a violência, foi: “O filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um coro, ele muda o comportamento dele. Olha, eu vejo muita gente por aí dizendo: 'ainda bem que eu levei umas palmadas, meu pai me ensinou a ser homem'”. Mas é certeza absoluta que, se chamarem a atenção do honorável deputado, ele também negará ser homofóbico. Ou machista. 
Pois é, somos um país tão tolerante às diferenças que ninguém é homofóbico! Lembram, né? O Marcelo Dourado, vencedor do BBB, que tinha uma suástica tatuada e fazia careta pros três gays da casa, também não era. Quem disse? Ué, o Pedro Bial, aquele mesmo que uma vez em off falou que balé era “coisa de viado”. Se bobear, até o pessoal da internet que criou a tag “homofobia SIM” não é homofóbico! Não, eles só estão lutando a favor da liberdade de expressão. E, se ninguém é homofóbico, se a homofobia não existe no nosso país (só no Irã), se nós não somos homofóbicos, não temos problema algum. Nada a combater. Podemos seguir matando um gay a cada dois dias sem o menor sentimento de culpa. E se os jornais parassem de noticiar esses casinhos isolados, também ajudaria.

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