segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Vida normal em Brasília


Marcos Coimbra - Correio Braziliense

Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

Os temores de muitas pessoas sobre Dilma começam a se dissipar. Nada do que ela disse e fez depois de eleita os justifica: não está “escondida” sob a sombra de Lula, mostra ter iniciativa e capacidade de liderar

Com notável rapidez, a vida política brasileira se normalizou depois das eleições. Há apenas três semanas, o clima era de intensas emoções. Hoje, tudo está calmo.

Se Serra tivesse vencido, o quadro seria, com certeza, diferente. Os Três Poderes da República teriam entrado em compasso de espera, ninguém sabendo como ficariam e qual seria o jogo entre eles. O mais afetado seria o Executivo, por razões evidentes. O Planalto e a Esplanada estariam no meio de um turbilhão.
Para dizer uma coisa óbvia, a facilidade com que a rotina voltou a Brasília é um sinal de nosso amadurecimento democrático. Vivemos quase o século 20 inteiro atravessando instabilidades, golpes, contragolpes e ditaduras. Nas poucas eleições mais livres que fizemos até 1964, ainda era possível dizer que “se Fulano disputar a eleição, não vence; se vencer, não toma posse; se tomar, não governa”.

Após a volta das eleições diretas, já passamos por quatro transições presidenciais, algumas traumáticas, outras pacíficas. A passagem do poder de Sarney para Collor teve o imenso simbolismo do reencontro com a democracia, depois da mais longa ditadura de nossa história. Tudo naquele momento era extraordinário.

A posse de Itamar tampouco se compara às seguintes, pois aconteceu no auge da crise do impeachment. Ali, as jovens instituições da nova democracia brasileira se tornaram adultas.

De Itamar para Fernando Henrique, houve apenas uma mudança de guarda, sem sobressaltos. Embora entre os dois as coisas nunca tivessem sido tranquilas, para fins externos tudo parecia simples: um presidente saía e entrava outro, os dois farinha do mesmo saco, pois Fernando Henrique era o ex-ministro que Itamar havia indicado para sucedê-lo. À primeira vista, seria apenas uma continuidade ortodoxa, mas ela nada tinha de trivial, pois representava a bem-sucedida conclusão de um longo processo de recuperação da normalidade institucional.

Já a transição de Fernando Henrique para Lula teve mais drama. A biografia e a trajetória do eleito faziam com que a perspectiva de sua chegada ao poder deixasse o sistema político e a sociedade sob tensão. A incerteza sobre como seria seu governo levantou o valor do dólar e fez com que a inflação disparasse, mesmo depois da Carta aos Brasileiros e de sua garantia de que honraria os contratos e os compromissos assumidos.

Mas o mais importante era o sentimento da originalidade daquela transição, com o primeiro líder popular que chegava à Presidência. Tudo nela despertava a curiosidade e atraía a atenção do país.

Este ano, as coisas andam tão tranquilas em Brasília que o assunto da passagem de governo ocupa espaço relativamente pequeno na imprensa. Especulações a respeito do ministério, dúvidas quanto a mudanças de prioridades, fofocas sobre quem sobe e quem desce nas apostas relativas à composição do futuro governo continuam a existir, mas estão longe de ser a maior preocupação do momento.

Os temores de muitas pessoas sobre Dilma começam a se dissipar. Nada do que ela disse e fez depois de eleita os justifica: não está “escondida” sob a sombra de Lula, mostra ter iniciativa e capacidade de liderar, coordena (sem precisar de avalistas) o processo de montagem e de formulação das metas de sua administração.

Parece que Dilma será uma presidente diferente. Agora mesmo, na hora em que seus antecessores dedicavam a maior parte do tempo a conversações a respeito de nomes para integrar o governo, ela prefere se concentrar na discussão de programas. Em vez de tratar as promessas de campanha como águas passadas, tem cobrado dos assessores projetos que assegurem que sejam cumpridas.

Enquanto isso, a vida também segue normal no Congresso. As movimentações de alguns peemedebistas para fazer o “blocão” com outros partidos da base nada têm de novo e não significam que Dilma terá mais dificuldades que Lula para dialogar com senadores e deputados. São apenas brigas por espaço no próprio Congresso, que lá dentro serão resolvidas.

Por mais que alguns torçam para que a presidente enfrente problemas desde o início do governo, não é isso que a maioria da sociedade deseja. (O que é mais um fator favorável para que ela comece bem seu mandato.)

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