quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

"Dilma foi parte importante do governo Lula, aprovou suas políticas e tende a aprofundá-las. "

Do Direto da Redação

Do “poste” à governante encantadora
Mair Pena Neto

A mídia que tratou Dilma Rousseff como um poste durante o processo eleitoral enche a nova presidente de elogios, tenta apresentá-la como antagônica a Lula e cobra dela um programa de oposição, que foi fragorosamente derrotado ano passado. Para a imprensa de mercado, Dilma é comprometida com a austeridade e tem que resolver uma pesada herança deixada por Lula, “o gastador”

Um leitor desavisado poderia achar que Lula saiu derrotado das últimas eleições e não que fez a sua sucessora, escolhida pessoalmente. Que Dilma não foi eleita para prosseguir as políticas dos últimos oito anos, principalmente dos quatro últimos, de redução das desigualdades e erradicação da miséria. Estes são os principais compromissos de Dilma, reiterados constantemente e que guiarão o seu governo.

Enquanto esteve à frente da Presidência, Lula acusou a herança maldita do governo Fernando Henrique Cardoso, que se evidenciava num crescimento econômico pífio (menos de 1% entre 1998 e 2002), endividamento externo aviltante, falta de reservas cambiais, inflação de dois dígitos, desemprego em alta, privatizações e Estado cada vez menor e mais fraco.

Lula, com o auxílio de Dilma, mudou inteiramente essa lógica e entregou a sua sucessora um país com crescimento médio de 4,2%, sem considerar o resultado de 2010, estimado em 7,5%; mudança de devedor para credor internacional, reservas internacionais de US$ 300 bilhões (FHC deixou o país com menos de US$ 40 bilhões), inflação dentro da meta, emprego em nível recorde e, principalmente, um papel mais ativo do Estado, responsável pela ascensão de mais de 30 milhões de brasileiros à classe média, o equivalente a quase uma Argentina.

Agora, a mídia tenta criar uma herança maldita que Lula teria deixado para Dilma, com aumento dos gastos públicos, e chega a invocar inflação e taxa de juros em alta como problemas. Os dois últimos argumentos nem mereceriam resposta. FHC entregou o país com a inflação em dois dígitos (12,53% pelo IPCA) e a taxa de juros em 27%, enquanto Dilma começa com a inflação dentro da meta (5,85%) e a Selic em 11%, depois de uma trajetória de queda no governo Lula que chegou a 8,75% em meados de 2009.

A questão dos gastos públicos é que merece discussão. O governo Lula não seguiu exclusivamente as regras de mercado, como seu antecessor e como aprecia a grande imprensa, e devolveu ao Estado um papel preponderante, não apenas nas questões econômicas, mas, sobretudo, nas políticas, incluindo a externa.

Lula aumentou os gastos para fazer políticas públicas, aquelas que causam ojeriza às elites, como o Bolsa-Família; para investir mais em educação, pesquisa, ciência e tecnologia (vide apoio maciço da comunidade acadêmica a seu governo e à candidatura Dilma) e para combater uma das maiores crises do capitalismo, que explodiu no fim de 2008 e afeta até hoje grandes economias, como a dos Estados Unidos e da Europa.

O governo Lula não aumentou impostos e desprezou o receituário dos analistas de mercado, os mesmos que sugerem agora a Obama que estenda o corte de US$ 1,1 trilhão no Orçamento à previdência e a programas de saúde para idosos e pobres. Para combater a crise, Lula obrigou os bancos públicos (política de Estado) a concederam crédito, fez desonerações tributárias e apostou no consumo, reduzindo o vagalhão que engolia o mundo à marolinha.

É lógico que isso tem custos e precisa ser revisto quando a situação melhora. O que Dilma herda não é uma situação desastrosa e inadministrável. Se fosse este o cenário que Lula tivesse encontrado quando assumiu o governo, em 2003, o Brasil certamente estaria muito melhor. Dilma foi parte importante do governo Lula, aprovou suas políticas e tende a aprofundá-las. O resto é tentativa de apresentar à população o que a presidente não é.

Sobre o autor deste artigoMair Pena NetoJornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de economia.

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