quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sempre do mesmo lado

Por Lola Aronovich, em seu blog

EU NÃO MUDO DE LADO

Boatos estão correndo soltos nesta campanha todo santo dia, mas ontem, pelo jeito, foi um dia especial. O clima de indignação contra a Dilma era geral. Parecia que ela tinha vendido a alma ao diabo. E lendo essa notícia do Globo, em que ela se comprometia perante pastores a não só não submeter projetos para legalizar o aborto ou aprovar o casamento gay como também vetar qualquer lei, parecia que tinha mesmo. Quer dizer, não vendido a alma ao diabo, mas vendido aos religiosos. Que, pra mim, dá no mesmo. Aliás, vender a alma pros religiosos me parece muito pior, porque não acredito em diabo nem inferno. Mas esses fanáticos que insistem em invadir o meu Estado laico são bem reais.
Um leitor no blog, e outros no Twitter, fizeram a mesma pergunta: “E agora, Lola? Sério, já tinha decidido passar por cima disso e manter meu voto na Dilma e no PT, mas tá ficando complicado votar praticamente contra mim e contra o que acredito!
Eu escrevi o que se segue antes da notíciaser desmentida. A gente (e eu digo isso pensando em mim) precisa tomar cuidado com os boatos. Esperar sempre uma confirmação, porque a gente sabe que existe toda uma oposição que quer desestabilizar o nosso lado. Mais tarde, saiu outra notícia, em que Dilma diz que nem ela nem ninguém pode interferir na união civil entre homossexuais, pois esta não é uma questão religiosa. A Folha também mudou parte da notícia que tinha veiculado. Aparentemente, Dilma não falou nada sobre veto a coisa alguma. Os pastores é que espalharam isso, ou os jornais. Ela só fez aquela concessão que já tinha feito, de não apresentar projetos. O que não é uma concessão tão enorme, pois o executivo não faz isso. Quem faz é o legislativo.
Sabem, eu também fico frustradíssima. Gostaria que o PT lutasse de frente contra os reaças da sociedade. Mas a verdade é que nem no PT existe consenso acerca da legalização do aborto ou de direitos gays. O partido sempre defendeu essas causas, mas, como emqualquer outro assunto em se tratando de um partido de esquerda, não há unanimidade. Enfim, temos que ser pragmáticos nessas horas: quem está mais próximo dos nossos ideais, alguém que nunca deu a mínima pros direitos das minorias (muito pelo contrário), ou alguém que sempre foi a favor, mas, chegando num momento decisivo, precisa se comprometer com grupos retrógrados para não sair de cena? E sim, eu sou 100% a favor da legalização do aborto e do casamento gay, mas não são apenas essas bandeiras que são importantes na minha vida. Minha vida é privilegiada, e eu não voto pensando em mim. Ficarei bem com qualquer governo, assim como sobrevivi numa boa aos oito anos de FHC. A classe média, que adora se fazer de sacrificada, gosta também de fingir que um governo a afeta, mas não é o que acontece. Seja lá quem ganhar, quem é de classe média continuará tendo plano de saúde, pagando escola particular pros filhos, contando com segurança privada no condomínio fechado, andando de carro, e fazendo mil e uma coisas que não dependem do Estado. Porque a gente pode, e a gente já enraizou tanto que o que vem do Estado não presta, que não vai fazer diferente. Mas tem gente que depende integralmente do governo, e nem estou falando no Bolsa-Família (que, milagrosamente em época de eleição, virou unanimidade nacional. Os reaças, que passaram os últimos sete anos falando mal do programa, agora são tão a favor que até disputam sua paternidade, e juram dobrá-lo!). Sei que é difícil a gente sair um pouquinho da nossa zona de conforto e pensar nos outros, mas vamos fazer o esforço de lembrar do pessoal que tem uma vida muito, muito mais dura que a nossa. E que seriam novamente varridos pra debaixo do tapete num governo do PSDB/DEM, um governo que notoriamente não dá a mínima pros pobres.
O
 país melhorou muito nesses últimos anos. Sei que quem é jovem não tem muito como comparar. Mas acredite então na imprensa internacional, que finalmente pôs o Brasil no mapa e diz que o futuro chegou, que o gigante adormecido acordou. Os reaças juram que todas essas matérias são pagas, que o Le Monde, por exemplo, é um jornal francêsestatal, puxando o nosso saco pra nos vender helicópteros. E a sensação geral aqui no Brasil de quanto o país está melhor é pura desilusão coletiva. Os 80% de popularidade do Lula é só porque a gente gosta da barba dele. Pois é, eles acham que o país está no fundo do poço e nos chama de bananas (pra não mencionar os nomes piores), e somos nós é que não temos noção?
Há todo um pro
jeto que está em jogo. Talvez as lindas tabelas do Ilustre Bob ajudem a comparar melhor dois governos muito diferentes. 
Não avançou tanto quanto a gente queria? Claro que não! Mas voltar atrás neste momento é entregar todas as conquistas nas mãos deles, e permitir que acabem com elas. Olha, pra mim muda pouco. Nunca mais terei um reajuste salarial, óbvio, e a verba pra universidade onde trabalho praticamente desaparecerá. Mas eu sobrevivo. Vai ser chato ver minhas amigas quase doutoras ou recém-doutoras, que estudaram tanto pra algum dia poderem lecionar, não terem chance de emprego, porque não haverá mais concursos, e as faculdades particulares não contratam doutores, pra não ter que pagar mais. Tenho algumas amigas enfermeiras também, que querem trabalhar no serviço público. Será péssimo pra elas. E pros filhos das minhas amigas, então? Não haverá novas universidades construídas. Como que eu sei de tudo isso? Ah, deve ser premonição, ou um sexto sentido. Isso ou lembrar como foramos dois mandatos do FHC, nos quais Serra foi ministro. Ou ver o que os dezesseis anos de PSDB estão fazendo com SP. Mas o pior não vai sobrar pra mim ou pras minhas amigas. Vai sobrar pra quem mais precisa. O governo demotucano certamente não é um que está ligado a qualquer movimento popular. Só tem conexões com a elite mesmo. E vai sobrar pra minha região, o Nordeste, que virou um outro lugar. Tá irreconhecível mesmo. A última vez que tinha vindo pra cá foi em 99. Quanta diferença! Sei que é pedir demais pra que se olhe pra região mais pobre do país, mas sabe, é o mesmo país. É um só. Ainda não nos separaram, apesar dos gritos histéricos do “Sul é meu país” e de “quem sustenta os vagabundos do nordeste é São Paulo”. Só quem vota no Serra fala essas atrocidades, mas eles querem nos convencer que sim, são muito sensíveis e se preocupam com os pobres.
Então temos muitas outras coisas pra preservar do que projetos de lei que, como a Nathália já explicou, não dependem do presidente. Mesmo que o presidente vete um projeto que o Congresso vier a aprovar, o Congresso tem o poder de passar por cima desse veto. Ou seja, a opinião do presidente vale muito pouco. Mas ainda dói ver Dilma tendo que brigar contra o que acredita. E quer apostar? Deve doer mais ainda pra ela. Mas fazer o quê? Entregar o governo nas mãos deles por causa de um ponto menor? Porque é, gente, um ponto menor. Infelizmente é, ainda que não deveria ser. Por enquanto é.
Mesmo que Dilma não assine coisa alguma, alguém em sã consciência imagina que, nos próximos anos, qualquer projeto pró-legalização do aborto ou casamento gay passe no Congresso? Não, né? Esse segundo turno, com todo esse terrorismo religioso, nos fez retroceder vinte anos. Tô falando sério. Duas décadas de atraso em um mês! Quero acreditar que o pessoal menos conservador que votou na Marina teria votado diferente se soubesse como seria este segundo turno. Quero acreditar também que vai chegar uma hora em que a maior parte dos brasileiros entenda que este climão de idade média não combina com nosso país, que deveria ser laico. E que os brasileiros que estão acompanhando este retrocesso (e imagino que não sejam só os eleitores da Dilma, mas da Marina e até mesmo do Serra, que estejam estupefatos) saibam quem o trouxe à pauta. Espero, ainda, que Serra perca votos por pagar capangas pra mandar emails-spam da maior baixaria. Que perca votos por fazer a mulher falar nas ruas que Dilma mata criancinhas. Porque isso é um golpe muito, muito baixo, até pro nível de um Serra. 
Não importam os acordos absurdos que teremos de fezer com os obscurantistas. Ainda somos amplamente melhores que a direita. Ou você consegue imaginar um Dilmaboy do lado de lá? Consegue imaginar alguém da Tradição, Família e Propriedade ou da Opus Dei apoiando o PT? Os reaças nunca vão mudar de lado. Por que nós mudaríamos? 

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